Antes mesmo de ser incorporado ao vocabulário brasileiro, o termo compliance tem sua origem no verbo inglês to comply que significa agir de acordo com uma ordem, um conjunto de regras ou um pedido. Em 1950, a legislação Americana criou a chamada Prudential Securities, que pode ser comparada com a nossa Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), que traz diretrizes de compliance a serem observadas.
Mas, o que significa estar em compliance? Em poucas palavras, podemos entender como uma postura adequada e recorrente, e não um simples trabalho pontual. Ou seja, mais do que
respeitar a legislação, é se atentar para a idoneidade dos fornecedores, aplicar as regras anticorrupção e ter responsabilidade social dentro e fora da entidade. Assim, o compliance se aplica aos Governos, empresas públicas ou privadas e entidades do Terceiro Setor.
Quando falamos de Terceiro Setor, mais do que conceituar como sendo constituído por organizações da sociedade civil sem fins lucrativos e não governamentais, que têm como objetivo gerar serviços de caráter público, é importante lembrarmos que existem diversas entidades que compõem o Terceiro Setor, tais como: as fundações, entidades beneficentes, fundos comunitários, entidades sem fins lucrativos, organizações não governamentais (“Organizações da Sociedade Civil” ou “OSCs”), empresas juniores sociais e muitas outras. Desse modo, é importante entender como o compliance é necessário para a manutenção
dessas organizações.
Antes mesmo da promulgação da Lei Anticorrupção, a popularização do tema compliance surge em decorrência de diversos fatores, como os baixos índices de confiança social nas mais diversas instituições públicas, privadas e do Terceiro Setor, de acordo com pesquisa feita pelo IBOPE. Em 2019, as OSCs obtiveram pontuação 58/100 1 , que reflete a opinião pública a seu respeito como entre quase nenhuma confiança (33 pontos) e alguma confiança (66 pontos). Nos últimos 10 anos referida pontuação vem oscilando entre tais classificações, o que é preocupante, especialmente pelo próprio propósito das entidades de Terceiro Setor, que promovem ações voltadas ao interesse público nas mais diversas frentes, atuando como verdadeiros auxiliares do Estado.
Além de o tema estar em voga pelas diversas ocorrências dos últimos anos no país, há uma genuína e legítima preocupação das OSCs com a regularidade de suas atividades e de seus gestores trazida pelo texto da Lei Anticorrupção. A partir da promulgação de tal legislação, a responsabilização das pessoas jurídicas torna-se objetiva em caso de configuração de ato lesivo à administração pública. Isso significa que associações e fundações poderão ser responsabilizadas administrativa e civilmente, independente da configuração de culpa, em caso de irregularidade sancionável pela Lei Anticorrupção.
É importante lembrar que esta não é a única legislação aplicável às Organizações da Sociedade Civil, que também estão sujeitas às penalidades previstas no próprio Código Penal e na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), que teve novos dispositivos inseridos pelo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei 13.019/2014), o qual também prevê penalidades para a instituições parceiras da administração pública. De forma geral, há previsão, em caso de descumprimento de referidas legislações, do impedimento de celebrar parceria ou contratar com órgãos da administração pública, aplicação de multas e, inclusive, a impossibilidade de recebimento de incentivos fiscais, dentre outras penalidades que podem ocasionar prejuízos relevantes às organizações e na busca pela sua finalidade social.
Neste sentido, a adoção de boas práticas de gestão, especificamente a operacionalização de um programa de compliance nas entidades do Terceiro Setor é uma forma de mitigar o risco de falhas, fraudes e crimes cometidos dentro das organizações, uma vez que possibilita a criação de regras e procedimentos internos embasados na ética, confiabilidade, transparência e moral. Ainda, é essencial para tomadas de decisões mais seguras e para a profusão de novos negócios e acordos em conformidade a legislação, ética e que estejam alinhadas com os próprios objetivos da organização, a demonstrar não apenas o mero cumprimento da Lei, mas verdadeira preocupação da organização com o seu objetivo social e o alinhamento de valores da entidade com, por exemplo, os seus financiadores.
Quando falamos em recursos recebidos de terceiros – sejam eles doados por pessoas físicas e/ou jurídicas, por financiamento, parceiras e/ou isenções concedidas pela administração pública – é indispensável o auxílio de ferramentas e técnicas administrativas que permitam a compreensão, gestão e aplicação de referidos recursos. Dentre elas, podemos destacar as melhores práticas de governança, como por exemplo, a análise dos riscos operacionais, o fortalecimento dos controles internos, a implementação de um código de conduta para os administradores e colaboradores, a abertura de canal para denúncias apuração destas e a interpretação e cumprimento das leis e normas.
A implementação dessas técnicas traz diversos benefícios às organizações, não só na esfera gerencial, mas também na financeira. Podemos citar como exemplo a melhora nos controles de governança estruturados para cumprimento da Lei Anticorrupção, o que aliás, é um fator capaz de mitigar a multa nela prevista (0,1% a 20% do faturamento 2 ) em caso de irregularidades; a apuração de irregularidades que poderiam ocasionar despesas futuras e aplicação imediata de correções e ajustes; a minoração da exposição criminal dos administradores e colaboradores e a prevenção de sujeição a sanções que acarretariam em perda de isenções ou incentivos fiscais.
Por fim, mas não menos importante a operacionalização de um sistema efetivo de compliance nas organizações do Terceiro Setor pode também auxiliar na captação de recursos, uma vez que o cumprimento da sua função social de maneira ética e comprometida gera repercussão positiva que atrai parceiros e investidores que reconhecidamente prezam pela integridade e transparência. Fica claro, portanto, que o estabelecimento de um programa de compliance nas entidades do Terceiro Setor é fundamental para garantir a idoneidade da instituição, a conduta ética de seus gestores e mais do que preservar, mas auxiliar na consecução do objetivo social daquela entidade.
Por Ana Carolina Bonome, Laura Pampado e Paula Vazquez, advogadas do ASBZ
Advogados e membros do Social ASBZ, comitê de responsabilidade social do
escritório.